domingo, 4 de agosto de 2019

'Crise Climática e Desenvolvimento Sustentável' - um artigo de opinião por Álvaro Fonseca


As recentes declarações de emergência climática (ver p.ex. aqui ou aqui) não estão infelizmente a ser acompanhadas de acção política mais vigorosa por parte dos governos – veja-se o caso do Reino Unido comentado neste artigo no‘The Guardian’:
 
“(...) the latest report to parliament of the government’s Committee on Climate Change makes it clear that the government’s commitment to mitigating the effects of the climate emergency is still very much at the stage of announcing speed limits: targets and exhortations without any enforcement or real effects on behaviour.”
 
Mesmo após diversos apelos do Secretário-Geral da ONU, a própria União Europeia não conseguiu chegar a acordo sobre os esforços de mitigação da mudança climática na recente reunião de líderes em Bona:
 
Também nos grandes media internacionais a crise climática não tem merecido o lugar de destaque que uma verdadeira emergência justificaria e o espaço mediático continua a ser dominado por variadíssimos ‘fait-divers’ que distraem a maioria da população, havendo mesmo quem apelide as declarações de emergência climática de ‘farsa mediática’: https://guilhotina.info/2019/06/21/emergencia-climatica-farsa-mediatica/
 
Não admira que os movimentos de cidadania internacionais que pugnam por acção urgente e eficaz para mitigar a crise climática não abrandem as suas acções de contestação:
Fridays For Future - Global Climate Strike (20-27 Set): https://globalclimatestrike.net/

Chamo a atenção para a entrevista ao Público do geógrafo alemão Wolfgang Cramer (esteve em Lisboa para o Congresso da Federação Europeia de Ecologia, tendo-se deslocado de comboio desde França onde é director do Instituto Mediterrânico de Biodiversidade e Ecologia): https://www.publico.pt/2019/08/01/ciencia/entrevista/quantidade-emissoes-gases-estufa-permitimos-aviacao-absurda-1881906 (pdf aqui).
 
Nesta entrevista Cramer destaca a contribuição da aviação para as emissões de CO2 e a necessidade de reduzir as viagens aéreas e estimular o transporte ferroviário, apostando p.ex. em redes de alta velocidade. Cramer afirma: “Votem em partidos que não construam aeroportos. As pessoas não devem acreditar no argumento que a economia está a beneficiar. É uma mentira.” Fala ainda da importância de mudar (promoção de práticas agrícolas biodiversas) e relocalizar a produção agro-alimentar, de práticas agro-florestais que previnam os incêndios florestais e de gestão urbana sustentável que não dependa apenas de novas tecnologias.

O congresso citado acima teve como tema a “A incorporação da ecologia nos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável”. No entanto, diversos autores e académicos têm posto em causa não só a validade e aplicabilidade dos ODS e da Agenda 2030 das Nações Unidas, como também têm destacado a sua incompatibilidade intrínseca* – p.ex. mitigar a pobreza (ODS#1) e as alterações climáticas (ODS#13) promovendo simultaneamente o crescimento económico (ODS#8). Chamo a atenção para este artigo de opinião recente do sociólogo moçambicano Elísio Macamo em que faz uma análise crítica dos ODS, pondo em causa a exequibilidade das metas almejadas e a sua aplicabilidade em África: https://www.publico.pt/2019/08/01/mundo/opiniao/africa-rejeitasse-objectivos-desenvolvimento-sustentavel-1881616 (pdf aqui). Macamo questiona: “É a África que precisa deles ou a burocracia internacional do desenvolvimento e da caridade remunerada que precisa de uma África que precise dos ODS?” e afirma: “Ao invés de lograr o desenvolvimento através da deliberação e da confrontação de projectos alternativos, os ODS sufocam o debate premiando aqueles que com eles concordam” e que “o maior problema consistiu na fraca capacidade africana de gerir os efeitos das soluções.” Põe também em causa a prossecução de fins em detrimento da discussão sobre os meios para os atingir. “A África, hoje, não é pobre por ser pobre. É pobre porque é objecto de intervenção institucional para acabar com a pobreza.” E questiona ainda o conceito de pobreza e a necessidade de ser combatida: “Porque nunca nos passou pela cabeça que seja a riqueza o problema? A pobreza é o problema não porque o seja realmente, mas sim porque o sistema económico que gere o mundo assim a torna. (…) é fácil explicar porque a África devia rejeitar os ODS. Eles definem fins que definham o espaço político, impedindo uma discussão sobre os meios. Hoje, a pobreza é activamente produzida pelo modo dominante de gestão do mundo. (…) É suspeito querer resolver um problema criado por uma certa estrutura sem mexer nessa estrutura. Não é a África que é um problema, mas sim o mundo. Logo, no centro dos ODS deveria estar o funcionamento desse mundo.”

A resolução das crises social e ecológica (onde se inclui a crise climática) requer a sua integração num contexto mais alargado que inclua as dimensões económica, política e cultural. Só uma abordagem sistémica nos poderá permitir lidar com problemas sistémicos que estão intimamente ligados ao modelo sócio-económico global. O conceito de ‘desenvolvimento sustentável’ não rompe com o paradigma civilizacional dominante e como tal não creio que seja a saída que procuramos. É por isso que me revejo nas propostas do decrescimento que tenho vindo aqui a divulgar: https://respigadordanet.blogspot.com/search/label/Decrescimento
 

* Ver p.ex.:
https://politheor.net/fragmented-incoherent-chaotic-global-goals-need-better-orchestration/
 
 
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