O livro é uma porta aberta ao mundo.
E uma viagem por nós dentro.
Aprendi a relatividade do tempo aí, na leitura, entre caracteres, palavras e pontuações, ínfimos legos de tinta negra que os "construtores de mundos" arquitectavam para mim, para minha descoberta e gáudio pessoal.
Bastava assentar os olhos nas primeiras linhas para me sentir num comboio com viagem garantida rumo ao desconhecido.E tal como um comboio, que primeiro e lentamente se afasta da estação, permitindo-nos um olhar demorado e todas as despedidas, para depois ganhar embalo até atingir a velocidade de cruzeiro, eu pegava em cada novo livro com alguma languidez, para depois sentir, sob os meus dedos, o instalado ritmo de cada virar de página, de folha, de capítulo, prosseguindo avidamente, sempre mergulhada na história, até sentir um qualquer chamamento do real.
Marcava a página, despedia-me dos meus heróis e desprendia-me do livro levando a história na minha cabeça. Era como um segredo que só eu sabia, que só eu seguia, que esperava paciente para se me revelar de novo e mais. Para mim, a leitura, era um mistério, um milagre, algo infinitamente belo, tecido em convenção da mais simples e despojada: o livro.
Dispostos nas prateleiras do quarto, depois da casa paterna, das casas dos amigos, das bibliotecas e livrarias, os livros tomaram-me um tempo de eleição, ao longo do qual preferi viajar sem sair do lugar e imaginar, imaginar todos aqueles mundos silenciosos que animavam a minha cinemateca privada. E com os quais aprendi a conversar. E por via dos quais aprendi a refletir.
Lembro-me da fase em que o livro passou a ser um objecto mais operável (já me sentia mais segura para isso), em que entrava e saía do texto para pensar, citando trechos, escrevendo as minhas próprias ideias... Comecei a sublinhar, a classificar os livros e os autores, compreendendo-lhes as biografias, os contextos, as pretensões e "falhas", os "recadinhos" implícitos para destinatários particulares...
Finalmente elevei-lhe o estatuto, revi os livros dados e as dedicatórias impressas e assinadas, comecei a comprá-los também para oferta, sempre com dedicatória, claro. Erigi a minha própria biblioteca, encostando os livros como soldados de batalhões, diversos mas complementares, na grande guerra contra a ignorância, contra o esquecimento. Dispus-me a retomar livros já lidos, confirmando o seu pulsar: eles falavam-me de forma diferente a cada altura em que os lia, pois respondiam-me ao que então procurava!
Nunca parou de crescer a minha admiração e prazer pelos livros. Hoje, sou talvez mais selecta e menos ávida: longe vai o tempo da jovem leitora que comia livros varrendo colecções, autores, temas... A vida não me permite tanta liberdade. Vou lendo vários livros simultaneamente, escolhendo a companhia de acordo com o meu estado de espírito. Mas sei que precisarei sempre de ler para respirar bem, para viver.
Rita Fouto, 23 de Abril de 2012